A Vida Não É Uma Autoestrada
É Um Labirinto Cheio de Atalhos Maravilhosos

Escrevo hoje, novamente, meus caros, não do alto de uma montanha de teoria, mas do meio do caminho – com o pó nas botas e uma pedra no sapato que teima em lembrar-me que estou, de facto, a caminhar.
O meu último artigo, onde confessei o meu caso de amor (um pouco complicado) com a teoria, gerou conversas lindíssimas. E uma delas, em especial, fez-me olhar para o mapa da vida de forma diferente. Alguém me sussurrou, com a sabedoria de quem já tentou montar um móvel do Ikea sem chorar: “Há o saber fazer, o saber fazer e o saber fazer.”
E esta frase, aparentemente simples, é como uma chave para uma fechadura que nem sabíamos que existia. Ela não nega a teoria; eleva a prática a uma arte.
Passo a explicar esta trilogia da existência, então!
O Primeiro Saber Fazer: O Manual de Instruções
Este é o saber dos livros,dos cursos, dos conselhos bem-intencionados da minha avó Glória. É saber que, na teoria, para fazer um bolo, se junta a farinha, o açúcar e os ovos. É o mapa. É precioso, sem dúvida. Mas, sozinho, é como tentar sentir o calor do sol lendo um livro sobre o astro-rei. Não chega..
O Segundo Saber Fazer: As Mãos na Massa
Aqui é onde a teoria encontra a realidade e, por vezes, leva um safanão. É quando se parte o ovo e cai uma casca na taça, é quando o forno está mais quente do que devia e o bolo fica com uma cor duvidosa. É o saber que se ganha a fazer, a tropeçar, a limpar a farinha do chão. É o móvel do Ikea que fica um pouco torto, mas fica! Este saber é o que nos tira da plateia e nos põe no palco. E, meu Deus, que diferença!
O Terceiro Saber Fazer: A Magia do “Improviso”
E eis o nível de mestria! Este é o saber que não vem nos livros. É a pitada de canela que se deita no bolo porque sim, porque o coração (e o nariz) assim o dita. É olhar para o móvel torto, pegar num martelo e num pedaço de madeira que sobrou de outro projecto, e inventar um apoio genial que não estava no diagrama. É a intuição, a criatividade, a sabedoria do corpo que já memorizou o movimento. É a vida, no seu estado mais puro e inventivo.
E é aqui, meus ricos amigos, que a nossa conversa sobre os caminhos bloqueados ganha um novo sentido. Porque perante um obstáculo, não se trata apenas de desistir ou insistir. Trata-se de exercitar este terceiro saber.
Perante um desmoronamento na estrada, o praticante do terceiro saber não se senta a chorar pelo mapa rasgado. Ele pega na sua bússola interior – essa que é calibrada pelos seus valores, talentos e paixões – e pergunta: “Qual é o próximo passo, por mais pequeno que seja, que me pode levar na direcção da vista que procuro?”
Isto chama-se a Arte do Desvio Criativo.
É o reposicionamento: querer liderar uma equipa e, não o podendo fazer na empresa, criar um projecto comunitário na sua terra.
É o projecto de garagem: sonhar em ser pasteleiro e começar a vender bolos aos fins-de-feira para amigos e vizinhos.
É a aprendizagem lateral: a porta do emprego dos sonhos está fechada? Aprende-se uma skill nova que permite espreitar pela janela.
Cada um destes desvios não é um desvio. É o caminho a ser refeito, por nós, à nossa medida. É a prática a mostrar-nos que a vida não é uma autoestrada asfaltada que nos leva directos ao destino. É um labirinto cheio de atalhos maravilhosos, de ruas sem saída que nos obrigam a olhar para cima e a ver uma escada, de pontes que só descobrimos porque nos perdemos primeiro.
Por isso, da próxima vez que o caminho à vossa frente parecer bloqueado, lembrem-se: não é o fim da viagem. É o momento de consultar a vossa bússola interior, de confiar no terceiro saber fazer, e de inventar um novo percurso.
A vida, essa senhora prática e pouco dada a teorias, estará à vossa espera logo ali, na próxima curva que não estava no mapa. Provavelmente, com um café quente e uma vista deslumbrante.
Até à próxima Conexão Criativa!
(Assinado: Uma caminhante que já prefere os atalhos às autoestradas, e a prática a qualquer manual.)
Lúcia (de bizavó e de bússola sempre à mão)
